a corrida indica somente a linha de chegada. enquanto o suor cai no
rosto, penso comigo se quero mesmo chegar lá. a grande questão é que não me
inscrevi. cheguei aqui e me deram um número e um ponto de partida. meu percurso
não é o mesmo de quem corre do meu lado, mas quando a companhia já começa a me
agradar, vem a vida-guia e desvia-nos para direções distintas. sigo correndo
e... para quê? para onde?
.
passo e vejo as árvores em vultos e há aqueles que desejam a sombra. dizem
ter corrido demais. paro por um segundo para acompanhar o que falam. noto:
estão discutindo quem era o que merecia descansar por mais tempo. quem veio de
mais longe. obviamente, me expulsam dali, pois só estou começando. eu só queria
mesmo era saber: não vão voltar a correr? por que pararam?
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eu sigo passando pelo caminho que me indicam. quanto ainda falta? 1,
100, 1000 km? ninguém me diz, mas eu continuo, porque me disseram que eu tinha
de correr. passei por um grupo e, outra vez, parados, discutiam formas de
burlar a corrida. paro e busco entendê-los, todos são muito parecidos, mas
distintos de mim. dizem-me que não sou bem-vinda.
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vem um novo companheiro de corrida: é agradável seguir assim. mesmo ritmo,
mesmo passo. a conversa flui, as dores se vão, as paisagens se tornam até mais
bonitas. ah, mas lá vem outra bifurcação, outro adeus. questiono outra vez por
que corro. por que corro, por que a pressa? eu nem gosto de correr, como vim
parar aqui? eu ainda não sei por que corro. me dou as chances de parar um
pouco, diminuir o passo, sentir pulsar meu coração no silêncio da parada.
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olho lá, ao longe: as pessoas que encontrei paradas no caminho ainda
estão lá. perderam-se tanto nos comos e porquês que se esqueceram de que devem
seguir. ainda bem que eu não fiquei lá.
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nenhum sinal da linha de chegada. não sei como está o meu tempo. se estou
correndo num bom ritmo, se estou perto ou longe do destino. mas meu destino é
correr. e eu vou correr, seguir correndo.
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porque o que eu vi nessa corrida tão incoerente, tão fora dos padrões
e tão longe do ideal, quem corre melhor não garante o primeiro lugar. a vitória
é de quem não desiste de correr.