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86400 segundos/dia em busca de respostas. ignorance is bliss

Manifesto

Resolvi quebrar a rotina hoje.

Saí da UnB a pé até a L2, peguei uma zebrinha e, depois de muito labirintar pelas tesourinhas e sacudir com as freadas bruscas do motorista apressado, cheguei ao meu destino - Brasília Shopping.
Não, não era para estar aqui. Era pra eu ir pra casa, era pra eu fazer trabalhos da faculdade. Mas não. Hoje não.

Não volto pra casa sem respostas.
A interrogação não é uma boa companheira de viagem. Com esses ônibus daqui de Brasília, até eu chegar ao meu destino, os saculejos já a transformariam em reticências.
E isso não é bom. Não mesmo.
Melhor a dúvida do que o conformismo. E vim pra esse shopping dar um basta nisso com uma xícara de café.

Antes do café fui almoçar.
"O que temos aqui para uma pobre estudante universitária que tem menos de R$30 na conta?"
SUBWAY. E eu quero o Baratíssimo.
- Moça, o nosso forno quebrou. Pode ser frio?
Argh... Olho em volta e vejo que não tenho opção mais rentável.
- Bebida?
Não. Vai no seco mesmo. Desce com a água que trouxe de casa.

Outro Everest é achar um lugar pra sentar. Todo aquele universo de roupas sociais, crachás e salto alto preenche todas as mesas com assuntos do trabalho.
Afinal, o que eu estava fazendo ali? Minha pobre pastinha contendo meus alfarrábios e meu jeans rasgado eram incoerentes com o ambiente.

Encontro um assento livre, coincidentemente ao lado do repórter do Globo Esporte. Finjo que nunca vi mais gordo.
E ali, com meu sanduíche frio e minha garrafa de água quente, observo o movimento embalado pelos saltos-agulha no porcelanato, o tilintar dos talheres nos pratos e os assuntos cruzados em uma melodia de colméia.

Nesse local, onde se reúnem os executivos da capital, é intervalo de expediente de servidores públicos, jornalistas, empresários, advogados e outros profissionais cujos ofícios exigem gravata e colarinho. Sinto-me "despertencida". Aliás, passo a me questionar.
"Se tivesse escolhido essa vida, hoje iria almoçar comida japonesa." Quem sabe até teria um carro. Usaria maquiagem com mais frequência. E salto alto.
Ou simplesmente não seria eu.

Escolhi - e me arrepio em admitir - o árduo caminho das letras.

Olho para a moça elegante ao meu lado, que acabou de dizer que já se mudou para o próprio apartamento - uma conquista gloriosa, se tratando da capital do país - e lhe digo com os olhos: "Eu escolhi esse caminho. Eu escolhi esse jeans rasgado. Mas estou bem certa de que em meus alfarrábios constam objetos de tal/qual valor: as letras."

E eu posso até ser aquela que dizem ser "sem eira e nem beira".
- Mas não me importo com a arquitetura de prestígio.

Meus tijolos são os verbos, o cimento faço de conjunções e preposições. Minhas colunas, os pronomes. Dos artigos faço as telhas da edificação. O acabamento é a inspiração...
Meu leito é feito de papel e o nanquim mantém a casa de pé.

Eu escolhi morar lá.
Pode não ser um lar como o da moça da mesa ao lado, mas pelo menos não pago imposto nem aluguel.

A interrogação ainda insiste em assombrar-me os pensamentos. Mas só tenho dinheiro pra uma passagem. Não preciso dela para erguer a minha casa. Geralmente a transformo em gancho onde penduro as frustrações e arrependimentos. Mas agora resolvi que vou deixar a interrogação em desuso.

Nesse café onde eu paro para a digestão do almoço modesto, histórias se cruzam, recebo ligações, verto lágrimas, desemboco sorrisos. Encontro com a resposta.

Não uso crachá porque trabalho pra mim. E mesmo com - agora - bem menos de R$30 na conta bancária, acho que posso ter bem mais motivos pra sorrir que a moça da mesa ao lado. Ou o repórter da Globo.

E me deparo com uma certeza que tenho na vida: entre salto alto e apartamento na Asa Sul, eu escolho é ser feliz.
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LT
06/02/13
15h

4 comentários:


  1. Putz!!

    Quando eu crescer, quero escrever assim...

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  2. Caramba... Realmente a vida é assim, cheia de escolhas, mas não devemos nos arrepender delas e sim tirar o maior proveito de tudo e nos orgulhar do caminho que decidimos trilhar. Parabéns pelo texto!

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  3. quem disse que o repórter da globo nao é mais feliz? pode ser a paixão dele ser repórter

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  4. Ótimo post.
    Lembrei dos nossos velhos tempos! rs.
    Integridade sempre.
    Lindo, adorei!

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quantos anos cabem em 365 dias?

e foi caverna e foi luz e foi luto e foi luta e foi corpo velado e foi sorriso velado e foi vela no bolo e outra no caixão e mais uma, e mai...