Quem sou eu

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86400 segundos/dia em busca de respostas. ignorance is bliss

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feriado diferente esse. não vou à igreja, a retiro nenhum. sem rituais, mandingas, procissões e romarias. sem penitências. afinal, que tipo de cristã seria eu? também não comprei chocolates [não pelo não-querer] - então não me enquadro também no núcleo dos que votam em branco. pelo contrário - reflito.

penso sim no sacrifício, penso na loucura que é, que foi e tem sido. por um instante, lembro-me das artes em vitrais nas capelas, catedrais, basílicas, nessa arte que representa o sofrer e o provoca em quem olha. aquelas imagens dos artistas da tal arte sacra, da cruz pesando no dorso do pobre homem de barbas longas e escuras. nesse momento, numa fração de segundo, o vitral se quebra e me fere, e dói.

a coroa de espinhos que atravessavam-lhe a pele faz jorrar o líquido carmesim. ele não jorra, afinal, ele escorre, lentamente, caindo-lhe por sobre os olhos, a boca e pescoço. e então, olho para a palma de minha mão, tão alva e ao mesmo tempo demarcada em territórios, perpassados por linhas tortas arroxeadas e verdes e azuis - e pelo sinal de nascença que a distingue da destra que escreve. imagino um prego enferrujado perfurando-me, lentamente, penetrando e violando camada por camada, tecido a tecido, revelando a ponta afiada no lado oposto em que pousam as unhas. de pensar nisso, me dói. penso no sangue que me escorreria, nas doenças se alastrando do prego para meu corpo.

olho para os meus pés, tamanho 34, tão incoerentes, na sua cor arroxeada de tanto sustentar-me o peso, e os imagino, cruzados, unidos por outro cravo sujo e enferrujado. sinto, por um instante, um formigamento se agitar nas veias, como se abrissem o caminho para a invasão de seu algoz. as marteladas quebram-lhe os ossos, trincando, esmagando, colando-os no madeiro. cedro, carvalho, de que será? - não importa a qualidade do material.
meu corpo não suportaria tamanha violência. questiono-me da capacidade do ser humano de sobreviver à dor [à dor, não ao ferimento, este sim, que o mata].

"por que não desces da cruz, tu, que também és Deus?"

imagino-me [e me recordo] ouvindo alguns insultos, minha reação imediata: os dentes rangem, a mandíbula estala, o punho cerra em resposta. as veias saltam nas têmporas, o olho começa a encher. a pele branca revela a cor do sangue. e, quase sempre, as frases mais imundas vão passando entre os dentes.

"Ele, porém, não abriu a boca, como um cordeiro (...)"

eu reconheço que não serviria para essa missão, eu, por que eu, eu que não sou santa e às vezes nem humana?

a loucura da cruz - a loucura do homem que morre pela humanidade, esta que se mata e lhe nega... ironia.
a loucura de quem crê, quem crê que um homem passou pela terra sem pecar, e era Deus, e era meu irmão, amigo, pai, conselheiro e o caminho e a verdade e a vida.
essas loucuras que existem para confundir as coisas sábias...
planos de um Deus que tudo pode e tudo sabe e em todo lugar está.

milhões de fiéis hoje se reúnem; comem peixe, beijam a cruz, partem o pão asmo. uns leem a bíblia, a torá. uns celebram a vitória sobre o egito, outros a vitória sobre a cruz. e tem a menina que fica a observar tudo isso e a sofrer dores que não lhe pertencem, só para tentar entender os mistérios dessa passagem.

não nasci para morrer na cruz
nasci por que alguém o quis fazer
alguém a quem negligencio, muitas vezes, tentando entender a sabedoria dos homens lógicos.

não há como evitar o pesar no peito e o bolo na garganta ao pensar nessa data. em quem me fala e faz acordar todos os dias, me fazendo lembrar de que é melhor viver com essa loucura... 
não compete a mim sentir essa dor; tudo já foi feito.

"está consumado".

nessa sexta feira da Paixão, Ele me ensina sobre o Amor.


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